domingo, 8 de setembro de 2013

O PAÍS DO FUTEBOL É NOSSO


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‘É hora de discutirmos ideias, apresentar projetos, assumir compromissos e debater para onde deve ir o futebol brasileiro. Doa a quem doer.
POR PAULO ANDRÉ – zagueiro do Corinthians para  “O Estado de S. Paulo”

A incrível vitória brasileira na Copa das Confederações teve inúmeros méritos e heróis, resgatou a fé do povo em sua seleção, deu uma aula de patriotismo e de superação…
Fez (quase) de tudo, inclusive dois fatos notórios: afastou-nos dos protestos e manifestações sociais de junho e asfixiou a crise existencial do futebol brasileiro que, até então, era evidente.
Do primeiro fato, pouca coisa sobrou, a não ser a marca d’água na areia, deixada pela onda de indignação com a falta de representatividade política dos nossos governantes. Para os políticos ficou o medo de que a qualquer momento, e por qualquer deslize, a onda possa voltar a atingir a margem que já alcançou e, em consequência, derrubar outros castelos construídos indevidamente em nossas praias públicas.
Espero que a próxima onda possa ultrapassar a última marca, removendo montanhas, higienizando todo o distrito e permitindo a renovação da democracia em bases mais justas e sólidas do que as que conhecemos até aqui.
Do segundo fato (vitória do Brasil por 3 a 0 sobre a Espanha) ficou a miragem de um oásis no deserto, a ilusão de que a simples troca da comissão técnica tenha sido responsável por recolocar o futebol brasileiro nos trilhos, em direção a um futuro glorioso. Mas o destino tratou de contragolpear tal artimanha e pegou desprevenido quem se iludiu com a bela campanha da nossa seleção. Foram necessários apenas dois amistosos internacionais de clubes para retomarmos a consciência e voltarmos a discutir sobre a diferença colossal que existe hoje entre o futebol brasileiro e o europeu.
Deixo clara a minha admiração e respeito pelo feito conquistado por atletas e comissão técnica da seleção, mas me recuso a aceitar o silêncio e a inércia política e administrativa dos dirigentes. Me orgulho e me espelho em Alex, do Coritiba, que é craque dentro e fora de campo. Em recente entrevista nos chamou a atenção ao apontar o dedo para a CBF. O mesmo fez Raí, brilhante, à Agencia Pública, dizendo que é hora de mudar as estruturas “viciadas” do esporte no País. Dorival Junior e Paulo Autuori, sempre que questionados, seguem a mesma direção. Falam sobre um problema estrutural de formação, capacitação e gestão que se origina na ineficácia administrativa e, principalmente, na falta de interesse em formatar um projeto amplo que possa guiar o desenvolvimento do futebol brasileiro fora de campo (com resultados efetivos dentro dele).
Para mim, seis pontos são fundamentais para dar início ao processo de recolocar o país do futebol no rumo certo e, mais, para explorar de forma eficaz (além do alto rendimento) todos os benefícios que o esporte pode trazer à nossa sociedade. São eles: reforma política, governança, gestão, capacitação profissional, formação de novos atletas e responsabilidade social.
Vou me ater ao que acho que entendo e falarei, dessa vez, apenas do primeiro item. A reforma política no futebol se faz necessária, pois, para quem não sabe, funciona assim: os clubes são afiliados à federação de seu estado e têm o direito de eleger seu presidente. Posteriormente, os presidentes eleitos das 27 federações mais os 20 clubes da primeira divisão elegem o presidente da CBF. Só que, um detalhe, há uma cláusula de barreira que determina que para alguém concorrer ao cargo é necessário que este nome seja indicado por 5 clubes e 8 federações, evitando que um candidato independente dispute o pleito. Tal medida “impossibilita”, porém, de concorrer ao cargo aqueles que são contrários ao sistema e ao poder vigente.
Não é possível que 27 federações, das quais 14 não possuem representantes nos dois principais campeonatos (Séries A e B), tenham tamanha influência na decisão de quem comandará a única entidade responsável por zelar, não só pela seleção, Copa do Brasil e Brasileirão, mas pelo desenvolvimento do futebol. Como podemos esperar que 14 federações votem, exijam ou discutam o futebol se, desconsiderando a democrática Copa do Brasil, elas nem fazem parte dessa categoria? Por que não permitir que as 20 equipes da Série B tenham direito a voto e tornem os clubes, por consequência, maioria nesse modelo eletivo? Ou ainda, se sabemos que apenas os clubes da primeira divisão votam, por que não considerar a hipótese de que apenas as federações da primeira divisão tenham o mesmo direito? Assim, trataríamos somente de 8 federações em 27 possíveis, uma discrepância que precisa ser minimizada.
Deixo claro que não estou assumindo uma posição “bairrista” ao excluir alguns estados (que inclusive e, surpreendentemente, terão estádios novos para a Copa) da prática em alto rendimento. Sou a favor da democratização do esporte, mas antes de um estádio esses estados, essas metrópoles precisam de um projeto de desenvolvimento do esporte (massificação, capacitação de profissionais, formação de atletas, investimentos bem orientados e de forma efetiva) para que em um segundo momento, em médio prazo, essas regiões possam, de forma fundamentada, almejar fazer parte do futebol de alto rendimento.
Para isso, deve-se criar dispositivos (função da CBF) para evitar que esses Estados/Federações freiem o avanço do esporte, enquanto, ao mesmo tempo, outros dispositivos deverão ser criados para que fortaleçam suas regiões, fomentem sua prática e possibilitem o desenvolvimento do futebol como ferramenta de educação, formação e responsabilidade social.
Caso contrário, se continuarmos com esse sistema político, como será possível discutir a redução das datas para os campeonatos estaduais ou até mesmo sua extinção? Que federação votaria contra si própria? Aliás, quem ainda acredita que o modelo atual leva os clubes do interior à subsistência? Está mais para uma sobrevida em estado vegetativo. Como é possível debater a mudança do calendário ou sua adaptação ao sistema europeu se sabemos que, apesar de serem benéficas para o desenvolvimento do nível do jogo e das finanças dos clubes, essas questões são conflitantes com os interesses das Federações?
Por outro lado, quem seria capaz de assumir o papel de líder nesse momento em que uma transição ou até mesmo uma ruptura se faz necessária? Como fazer com que Confederação, Federações e clubes caminhem juntos sem que um atrapalhe o desenvolvimento do outro, mas sim coexistam como partes de um todo?
Para responder essas perguntas é fundamental entender que, quando falamos de futebol brasileiro, não falamos apenas de resultados da seleção ou da organização dos campeonatos estaduais ou nacionais.
Fiscalizemos o estatuto do torcedor, seus direitos e deveres. Falemos da situação financeira dos clubes e a real necessidade da criação de um fair play financeiro para que jamais voltemos a falar em anistia fiscal por conta de má gestão administrativa. Discutamos a metodologia da formação de atletas e as condições precárias a que eles são expostos na maioria dos alojamentos dos clubes. Desenvolvamos um modelo melhor de capacitação dos profissionais em todas as áreas do futebol. Criemos uma discussão científica e prática entre clubes, classes e entidades por meio de seminários, cursos e pesquisas do esporte em suas três áreas distintas: educação, participação e rendimento. Aumentemos o leque, pois é de responsabilidade estatutária, por parte das Federações e da CBF, a fomentação do esporte como ferramenta de inclusão social, tema gerador de educação e de cidadania. Cobremos a responsabilização dos dirigentes por má gestão, melhor fiscalização da legislação existente e consequentemente, o cumprimento das leis – um problema recorrente no País.
Cabe a todos nós a escolha do caminho a seguir, já que estamos discutindo um patrimônio cultural e esportivo, uma paixão nacional que faz parte do cotidiano de milhões de pessoas. Não podemos mais (e aqui convido todos os que vivem de futebol) nos omitir e aceitar as coisas como estão. Precisamos nos expor nesse momento (como indicou Paulo Autuori) e devemos participar das decisões, das regulamentações e das iniciativas deste novo processo. Caso contrário, os que assumirem o posto gastarão mais quatro anos “estudando” o assunto e evitando as feridas para se manterem no poder, como fez o outro que, por fim, partiu para Miami.
É dado o momento de nos posicionarmos. Chega de cartas marcadas. Chega de presidentes que se perpetuam no poder. Chega de acordos escusos para a manutenção desse modelo retrógrado. Chega de inércia. Chega de desinteresse no desenvolvimento do esporte. Chega de falta de visão e de liderança. Chega de apresentar um produto e um espetáculo de baixa qualidade sem se importar com os consumidores/torcedores. É hora de discutirmos ideias, apresentar projetos, assumir compromissos e debater para onde deve ir o futebol brasileiro.
Doa a quem doer. “Às vezes, lavando as mãos sujamos a consciência”… Pois “não se faz omeletes sem quebrar os ovos”.
Não esperemos mais quatro anos. Reforma política esportiva, já.
*Paulo André é zagueiro do Corinthians

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